1 00:00:00,000 --> 00:00:05,000 ♪ Agora não pergunto mais aonde vai a estrada ♪ 2 00:00:05,000 --> 00:00:12,300 ♪ Agora não espero mais aquela madrugada ♪ 3 00:00:12,300 --> 00:00:17,260 ♪ Vai ser, vai ser, vai ter de ser ♪ 4 00:00:17,260 --> 00:00:20,260 ♪ Vai ser faca amolada ♪ 5 00:00:20,260 --> 00:00:27,340 ♪ O brilho cego de paixão e fé faca amolada ♪ 6 00:00:27,960 --> 00:00:31,760 É isso aí, gente. E aí, vocês estão com as suas facas amoladas 7 00:00:31,760 --> 00:00:36,600 preparadas hoje para o quarto episódio do grupo de estudos Design Opressão. 8 00:00:36,600 --> 00:00:41,220 Ou melhor, a nossa temporada, primeira temporada do grupo de estudos Design Opressão 9 00:00:41,220 --> 00:00:42,800 intitulada "Greve". 10 00:00:42,800 --> 00:00:46,900 Estamos aqui debatendo a leitura do livro "A Questão da Universidade", 11 00:00:46,900 --> 00:00:48,360 de Álvaro Vieira Pinto. 12 00:00:48,360 --> 00:00:53,460 Hoje, especificamente, debatemos os capítulos "Universidades e Classe Sociais" 13 00:00:53,460 --> 00:00:58,800 até o final do capítulo sobre reforma universitária, não é isso? 14 00:00:58,800 --> 00:01:01,100 Deixa eu ver aqui. 15 00:01:01,100 --> 00:01:04,520 É, até a execução da reforma universitária. 16 00:01:04,520 --> 00:01:07,260 Então é isso, eu estou abrindo aqui o nosso encontro. 17 00:01:07,260 --> 00:01:10,300 Eu sou o Fred van Amstel, eu falo da Universidade da Flórida. 18 00:01:10,300 --> 00:01:13,520 Faço aqui a palavra com meus colegas aqui de debate. 19 00:01:13,520 --> 00:01:16,400 Alguém que gostaria, então, de puxar essa conversa? 20 00:01:16,400 --> 00:01:18,060 Vocês estão com a faca amolada aí? 21 00:01:18,060 --> 00:01:19,700 Faca amolada para quê, gente? 22 00:01:19,700 --> 00:01:21,560 Onde vocês vão colocar essa faca? 23 00:01:21,700 --> 00:01:24,460 Eu vou, porque eu estou com essa faca amolada. 24 00:01:24,460 --> 00:01:27,600 Pode falar quem você é, por favor, aproveita aí. 25 00:01:27,600 --> 00:01:31,060 - Eu sou o Eduardo Souza... - Que mato que você veio? 26 00:01:31,060 --> 00:01:35,560 Sou aquele Recife, professor do IFPE, acabei de voltar de um ato aqui da "Greve", 27 00:01:35,560 --> 00:01:41,360 que, enfim, dá o contexto da nossa atuação aqui nessa discussão. 28 00:01:41,360 --> 00:01:45,520 E aí, eu voltei e vim ler o texto. 29 00:01:45,520 --> 00:01:50,060 Acho que é uma coisa que me impactou muito nessa comparação, 30 00:01:50,060 --> 00:01:52,960 desse contexto que a gente está vivendo atualmente com... 31 00:01:52,960 --> 00:01:56,700 Esse contexto que Vira Pinito está apresentando para a gente lá em 62. 32 00:01:56,700 --> 00:02:02,060 E retomando, talvez, até um pouco do primeiro episódio mesmo assim desse podcast, 33 00:02:02,060 --> 00:02:07,460 é que Álvaro Vira Pinito faz uma análise nesses capítulos sociológicos 34 00:02:07,460 --> 00:02:10,320 da divisão de classes interna à universidade, 35 00:02:10,320 --> 00:02:14,860 e vai apontando mais ou menos quais seriam os objetivos de cada uma dessas classes, 36 00:02:14,860 --> 00:02:18,560 e como eles operam para viabilizar esses objetivos. 37 00:02:18,560 --> 00:02:22,060 E o que me surpreendeu, o que me pegou muito assim, 38 00:02:22,060 --> 00:02:28,560 é que nesse contexto que ele considera pré-revolucionário em 62, 39 00:02:28,560 --> 00:02:36,560 existia uma clareza e uma politização da classe estudantil que era muito visível. 40 00:02:36,560 --> 00:02:39,360 Tanto é que o próprio livro, como a gente mencionou também, 41 00:02:39,360 --> 00:02:43,060 ele foi escrito a pedido da UNE, por Álvaro Vira Pinito. 42 00:02:43,060 --> 00:02:45,360 Então, a classe estudantil, como ele coloca no texto, 43 00:02:45,360 --> 00:02:49,860 ela estava engajada diretamente nos debates políticos mais gerais da sociedade, 44 00:02:49,860 --> 00:02:54,860 e não estava restrita essa questão meramente pedagógica da universidade. 45 00:02:54,860 --> 00:02:59,860 E por outro lado, ele aponta que os professores, que via de regra, 46 00:02:59,860 --> 00:03:04,860 eles servem aos interesses da classe dominante, da burguesia, 47 00:03:04,860 --> 00:03:11,860 eles, em um breve momento, engajariam numa posição de trabalhador 48 00:03:11,860 --> 00:03:14,860 quando eles fossem pleitear por melhores condições de trabalho, 49 00:03:14,860 --> 00:03:16,860 melhores salários, etc., etc. 50 00:03:16,860 --> 00:03:21,360 O que me surpreende é que hoje em dia, em 2024, 51 00:03:21,360 --> 00:03:26,360 com o auge do neoliberalismo e dessa subjetividade neoliberal, 52 00:03:26,360 --> 00:03:32,360 esse contexto está completamente diferente, 53 00:03:32,360 --> 00:03:35,860 e muito pior, muito mais rebaixado e muito mais despolitizado. 54 00:03:35,860 --> 00:03:40,360 Hoje, a classe estudantil, eu diria que não tem uma função primordial 55 00:03:40,360 --> 00:03:44,360 no debate político do país, nem mesmo no debate político da universidade, 56 00:03:44,360 --> 00:03:48,860 na interna universidade, sobretudo depois da pandemia, 57 00:03:48,860 --> 00:03:50,860 e aí a gente pode discutir quais seriam esses fatores, 58 00:03:50,860 --> 00:03:55,860 mas hoje em dia acho que é claro que a classe estudantil não exerce esse papel político. 59 00:03:55,860 --> 00:04:01,860 E visto o que eu tenho visto durante essa greve de muitos colegas docentes 60 00:04:01,860 --> 00:04:04,860 se posicionando contra a continuidade da greve, 61 00:04:04,860 --> 00:04:09,860 nem para se colocar no lugar de trabalhador, 62 00:04:09,860 --> 00:04:13,860 mas os docentes fazem na hora de pedir essas melhorias para o seu trabalho. 63 00:04:13,860 --> 00:04:18,860 Então é um rebaixamento despolitizado no sentido de que 64 00:04:18,860 --> 00:04:21,860 todo mundo está se ausentando desse debate político, 65 00:04:21,860 --> 00:04:24,860 todo mundo está escolhendo não participar desse debate, 66 00:04:24,860 --> 00:04:29,860 enfim, com as que razões, algumas delas não fazem por medo, 67 00:04:29,860 --> 00:04:32,860 outras não fazem por desinteresse mesmo, outras não fazem por conveniência, 68 00:04:32,860 --> 00:04:38,860 mas o fato é que parece que não há mais uma direção política progressista de fato, 69 00:04:38,860 --> 00:04:43,860 nos termos que Álvaro de Villapint está colocando aqui nesse momento pré-revolucionário. 70 00:04:43,860 --> 00:04:47,860 Então acho que talvez por isso essa leitura tenha me impactado muito 71 00:04:47,860 --> 00:04:50,860 e acho que talvez ela seja ainda mais urgente hoje em dia. 72 00:04:50,860 --> 00:04:53,860 E aí eu repasso para vocês continuarem essa discussão. 73 00:04:53,860 --> 00:04:57,860 Eu vou fechar a fala de volta aqui porque a nossa discussão, para mim, 74 00:04:57,860 --> 00:05:00,860 foi mais impactante que a leitura, curiosamente, 75 00:05:00,860 --> 00:05:02,860 porque essa já é a minha segunda leitura do livro. 76 00:05:02,860 --> 00:05:04,860 E enquanto a gente estava debatendo hoje, 77 00:05:04,860 --> 00:05:10,860 eu me lembrei do Battle Royale, como o pessoal fala no Brasil, 78 00:05:10,860 --> 00:05:14,860 que é um filme japonês dos anos 2000, 79 00:05:14,860 --> 00:05:20,860 que eu acho que epitomiza, sintetiza, que é uma espécie de marco histórico, 80 00:05:20,860 --> 00:05:26,860 esse estado atual que a juventude vive diante de uma tendência neoliberal, 81 00:05:26,860 --> 00:05:30,860 de neoliberalização de todas as relações sociais. 82 00:05:30,860 --> 00:05:35,860 Então o indivíduo passa a ser, digamos assim, a unidade política básica 83 00:05:35,860 --> 00:05:40,860 e ele precisa se posicionar politicamente em relação a tudo, 84 00:05:40,860 --> 00:05:43,860 mas se posicionar no sentido de se defender, 85 00:05:43,860 --> 00:05:47,860 de sobreviver dentro de um ambiente político extremamente hostil. 86 00:05:47,860 --> 00:05:56,860 Então no filme são estudantes secundaristas que vão para uma ilha isolada 87 00:05:56,860 --> 00:06:00,860 e fazer aquela espécie que a gente hoje chama de jogos vorazes, 88 00:06:00,860 --> 00:06:05,860 o mata-mata, todos contra todos, e só vai sobreviver um estudante. 89 00:06:05,860 --> 00:06:11,860 É bem brutal o filme, mas é uma espécie de uma metáfora muito óbvia 90 00:06:11,860 --> 00:06:14,860 da competitividade no ambiente acadêmico no Japão, 91 00:06:14,860 --> 00:06:18,860 que foi um dos países que antecipou o neoliberalismo 92 00:06:18,860 --> 00:06:23,860 muito por conta da influência estadunidense. 93 00:06:23,860 --> 00:06:27,860 Os Estados Unidos implementou, testou, fez uma espécie de laboratório 94 00:06:27,860 --> 00:06:31,860 de neoliberalismo em vários países que deviam a eles, 95 00:06:31,860 --> 00:06:34,860 no caso o Japão, mas antes disso no Chile e também no Brasil 96 00:06:34,860 --> 00:06:37,860 em uma certa medida, apesar de que a gente resistiu. 97 00:06:37,860 --> 00:06:42,860 A gente resistiu porque a gente tinha pessoas como o nosso querido Milton Nascimento 98 00:06:42,860 --> 00:06:46,860 com essa canção de abertura, "Fé cega e faca amolada", 99 00:06:46,860 --> 00:06:50,860 porque nessa canção ele está colocando justamente essa contradição, 100 00:06:50,860 --> 00:06:54,860 de que você está ali com o brilho cego de paixão e fé, 101 00:06:54,860 --> 00:06:57,860 e faca amolada, quer dizer, se acontecer alguma coisa, 102 00:06:57,860 --> 00:07:00,860 você tem paixão, tem fé, mas se acontecer alguma coisa, 103 00:07:00,860 --> 00:07:02,860 você tem a faca amolada do teu lado. 104 00:07:02,860 --> 00:07:07,860 Então você não acredita mais na estrada, naquela madrugada, 105 00:07:07,860 --> 00:07:10,860 vai ser tudo muito tranquilo, tudo bem, vai ser precisado, 106 00:07:10,860 --> 00:07:14,860 tudo bem preparado, e eu acho que essa faca amolada que ele traz aqui 107 00:07:14,860 --> 00:07:24,860 é um pouco essa produção de subjetividade que é necessária para sobreviver nesse contexto. 108 00:07:24,860 --> 00:07:29,860 Agora a questão que eu acho que o Alvaro Virapim está agitando a gente a antecipar, 109 00:07:29,860 --> 00:07:32,860 imagina, ele escreveu, olha só esse trecho, eu vou ler aqui, 110 00:07:32,860 --> 00:07:37,860 porque ele antecipou o battle royale em 50 anos pelo menos, 111 00:07:37,860 --> 00:07:41,860 muito antes das pessoas falarem em neoliberalismo, não existe nem esse conceito, 112 00:07:41,860 --> 00:07:51,860 mas ele vaticinou lá pelas tantas na página 65 dessa edição que a gente está lendo aqui, 93, 113 00:07:51,860 --> 00:07:56,860 ele diz assim, "toda vez que uma classe é homogênea por efeito dos seus comuns interesses, 114 00:07:56,860 --> 00:08:00,860 decorrentes da posição que ocupa no processo da produção social, 115 00:08:00,860 --> 00:08:05,860 a discórdia universal entre os seus membros, ou seja, a luta de tons contra todos, 116 00:08:05,860 --> 00:08:09,860 constitui a expressão de harmonia particular e da classe enquanto tal". 117 00:08:09,860 --> 00:08:17,860 O battle royale é um fenômeno sintomático de uma sociedade em que a luta de classes se acomodou 118 00:08:17,860 --> 00:08:27,860 e ela acaba sendo expressa no setor público, na esfera pública, como um simulacro. 119 00:08:27,860 --> 00:08:33,860 Então você tem brigas entre os mesmos partidos, você tem brigas entre amigos, 120 00:08:33,860 --> 00:08:36,860 você tem brigas entre professores, brigas entre estudantes, 121 00:08:36,860 --> 00:08:43,860 mas as classes não se desafiam para um embate que terminaria com essa divisão entre classes. 122 00:08:43,860 --> 00:08:48,860 Isso, claro, eu acho que também a gente poderia estender para outras formas de divisão social. 123 00:08:48,860 --> 00:08:53,860 Aqui a gente está focando especificamente como que as classes sociais aparecem dentro da universidade, 124 00:08:53,860 --> 00:09:00,860 então seria o caso da homogeneidade entre as opiniões, os posicionamentos, professores e estudantes, 125 00:09:00,860 --> 00:09:06,860 tanto professores quanto estudantes competindo com faca amolada para sobreviver, 126 00:09:06,860 --> 00:09:10,860 seja nos índices de produtividade que a gente tem que bater, 127 00:09:10,860 --> 00:09:14,860 seja na nota que a gente tem que conseguir no boletim ou no histórico escolar. 128 00:09:14,860 --> 00:09:17,860 É muito complicada essa situação que a gente vive. 129 00:09:17,860 --> 00:09:23,860 Como é que você vai fazer uma reforma universitária para orientar a universidade para o povo 130 00:09:23,860 --> 00:09:31,860 se o povo está com faca amolada, está todo mundo armado até os dentes, não só com faca de verdade, 131 00:09:31,860 --> 00:09:41,860 mas como argumentos, xingamentos, várias formas de violência simbólica. 132 00:09:41,860 --> 00:09:46,860 Vou puxar aqui, então, também afiando a minha faca, falando aqui, Ricardo Arthur, 133 00:09:46,860 --> 00:09:54,860 professor da ESDI no Rio de Janeiro e concordando com o Fred, que universidade é essa para quem? 134 00:09:54,860 --> 00:10:01,860 Essa é um ponto, é uma tônica que está dentro da discussão do livro como um todo. 135 00:10:01,860 --> 00:10:08,860 E ele retoma, então, nesses capítulos, o Álvaro Vieira Pinto volta à problemática da exclusão de para quem, 136 00:10:08,860 --> 00:10:11,860 qual o sentido dessa universidade, para quem ela está atendendo. 137 00:10:11,860 --> 00:10:17,860 E a gente, no debate político, aqui que a gente estava discutindo um pouco o texto, 138 00:10:17,860 --> 00:10:22,860 a gente trouxe isso para, nesse contexto de 61, a gente tinha uma ideia de Brasil, 139 00:10:22,860 --> 00:10:26,860 uma noção do que estava acontecendo nos movimentos sociais, o que estava sendo reivindicado. 140 00:10:26,860 --> 00:10:29,860 E agora? O que está sendo reivindicado politicamente? 141 00:10:29,860 --> 00:10:35,860 A gente, obviamente, não tinha esse cenário do neoliberalismo que a gente tem hoje, dessa perspectiva, 142 00:10:35,860 --> 00:10:42,860 a gente comentou também nessa presença forte evangélica que também quer intervir sobre a universidade, 143 00:10:42,860 --> 00:10:47,860 sobre o que está sendo ensinado. Então, tem uma série de disputas que a gente vai ver isso, por exemplo, 144 00:10:47,860 --> 00:10:53,860 no movimento escola sem partido, que a gente vai ver isso nessa crítica à universidade, 145 00:10:53,860 --> 00:10:58,860 à universidade como lugar da balbúrdia, à universidade como lugar improdutivo. 146 00:10:58,860 --> 00:11:05,860 E isso gera um tipo de perspectiva e de moeda que vai distorcendo para que serve essa universidade. 147 00:11:05,860 --> 00:11:09,860 A universidade passa a ser questionada também dessa perspectiva neoliberal. 148 00:11:09,860 --> 00:11:13,860 E qual a solução que se dá para isso? Mais neoliberalismo. 149 00:11:13,860 --> 00:11:19,860 Na prática se fala o seguinte, a universidade tem que se provar, ela tem que ter produtividade, 150 00:11:19,860 --> 00:11:28,860 então ela incentiva essa competição, ela faz com que os professores agravem esse grau de disputa 151 00:11:28,860 --> 00:11:35,860 por mais pontos, mais artigos, mais orientando-se, mais produção, mais verbas, mais recursos. 152 00:11:35,860 --> 00:11:42,860 Para quem isso é feito? Então, isso é uma questão que se coloca, para garantir mais recursos, 153 00:11:42,860 --> 00:11:46,860 para garantir que a universidade volta a funcionar, para que ela atenda um estudo melhor. 154 00:11:46,860 --> 00:11:51,860 Então, essas questões que parecem absolutamente pertinentes ao contexto atual, 155 00:11:51,860 --> 00:11:57,860 e a gente está falando nesse cenário, não é o cenário pelo qual o Álvaro Vieira está falando, 156 00:11:57,860 --> 00:12:03,860 ele volta lá atrás para debater, para falar "olha, ainda assim é preciso de uma postura ainda mais radical 157 00:12:03,860 --> 00:12:10,860 para a perspectiva universitária, é preciso que essa reforma seja uma reforma que atenda politicamente 158 00:12:10,860 --> 00:12:17,860 aos interesses do povo". Que povo é esse? É o povo que está demandando direitos, que está demandando terra, 159 00:12:17,860 --> 00:12:26,860 que está demandando sair de um grau de precariedade múltiplo de um país subdesenvolvido, 160 00:12:26,860 --> 00:12:33,860 em que é importante esse engajamento na universidade. Então, ele vai falar, o Álvaro Vieira Pinto chega a falar 161 00:12:33,860 --> 00:12:42,860 desse ponto de vista de embates, de que a autonomia, a ideia de autonomia universitária como uma universidade 162 00:12:42,860 --> 00:12:48,860 apartada do resto, que tem a sua própria gestão, era um conceito nocivo naquele momento. 163 00:12:48,860 --> 00:12:54,860 E é muito interessante porque parece contraditório, e aí ele vai tecer porque ele vai falar uma crítica à autonomia, 164 00:12:54,860 --> 00:13:00,860 que ele vai falar "olha, esse conceito perverso vai garantir que a universidade continue impermeável 165 00:13:00,860 --> 00:13:06,860 às questões sociais e do povo enquanto ela é feita simplesmente atendendo a interesses e a valores da classe dominante 166 00:13:06,860 --> 00:13:14,860 para a qual ela é feita para reproduzir". E ela vai falar que essa dominância de uma classe burguesa sobre a universidade, 167 00:13:14,860 --> 00:13:21,860 que detém esse poder tanto ideológico quanto esse poder mesmo de operar a organização da universidade, 168 00:13:21,860 --> 00:13:27,860 de atribuir recursos, de retirar recursos, esse poder, ele continua em conteste. 169 00:13:27,860 --> 00:13:33,860 Ele já estava lá e continua em conteste hoje. E aí todas as outras questões meio que o derivam disso, 170 00:13:33,860 --> 00:13:39,860 porque a gente consegue pensar assim, o Álvaro Vieira Pinto começa, ele questiona, por exemplo, o vestibular 171 00:13:39,860 --> 00:13:45,860 e sugere de certa maneira uma abolição do vestibular. "Ah, por que a gente não consegue aplicar isso hoje, 172 00:13:45,860 --> 00:13:51,860 garantir que todo mundo possa entrar?" "Ah, mas não tem recurso, não tem espaço, não tem infraestrutura". 173 00:13:51,860 --> 00:13:57,860 E ele levanta essa questão. Ele levanta essa questão e já dá a resposta para falar "olha, o problema do recurso 174 00:13:57,860 --> 00:14:03,860 é o problema também ligado à relevância da universidade, porque uma universidade que não atende aos interesses 175 00:14:03,860 --> 00:14:09,860 do povo vai continuar sendo precarizada porque se a própria estratégia de exclusão que a universidade perpetua". 176 00:14:09,860 --> 00:14:16,860 Então é muito interessante como ele já coloca esses termos lá e que, apesar de anacrônico, a gente tentar 177 00:14:16,860 --> 00:14:22,860 trazer esse texto para uma realidade hoje ignorando que são contextos diferentes, que, por exemplo, hoje a gente tem 178 00:14:22,860 --> 00:14:30,860 um cenário neoliberal, que naquele momento é um momento como ele chama pré-revolucionário e antes de um golpe militar, 179 00:14:30,860 --> 00:14:39,860 a gente observa quanto tem, quanto se antecipam questões e se colocam questões que é um pensar muito divergente, 180 00:14:39,860 --> 00:14:42,860 muito diferente do próprio Vieira Pinto. 181 00:14:42,860 --> 00:14:47,860 Eu queria voltar para o design, apesar de eu acho que a gente não saiu do design em nenhum momento, a gente está falando 182 00:14:47,860 --> 00:14:55,860 de design educacional, de design de tuição, design de país, mas o design entendido como o design dos designers, 183 00:14:55,860 --> 00:15:03,860 aqueles que se arrogam dizer profissionais, eu acho que dá para fazer um paralelo direto com o papel dos professores 184 00:15:03,860 --> 00:15:11,860 nesse texto, porque o Vieira Pinto deixa muito claro que não são os professores aqueles que vão fazer a reforma universitária 185 00:15:11,860 --> 00:15:17,860 que vai beneficiar o povo. Quem tem a tarefa histórica, digamos assim, de fazer isso são os estudantes. 186 00:15:17,860 --> 00:15:24,860 Então são os estudantes e ele, claro, está escrevendo a pedido da UNE, da União Nacional dos Estudantes, 187 00:15:24,860 --> 00:15:31,860 são eles que são os atores principais. Por que os professores e os designers, agora fazendo a analogia, 188 00:15:31,860 --> 00:15:38,860 por que designers e professores não vão fazer a reforma da universidade ou da instituição do projeto, 189 00:15:38,860 --> 00:15:44,860 ou seja, desse, digamos assim, troco cultural de fazer projetos profissionalmente? 190 00:15:44,860 --> 00:15:48,860 Por que isso não vai se voltar nunca ao povo se deixar na mão de professores e designers? 191 00:15:48,860 --> 00:15:54,860 E muitas vezes quer a mesma pessoa, muitos professores também se intitulam designers antes mesmo de ser professores, 192 00:15:54,860 --> 00:16:03,860 porque a formação dessa classe é uma formação alienada e vinculada historicamente aos interesses da burguesia, 193 00:16:03,860 --> 00:16:09,860 quem vai financiar as universidades e das escolas de design e as posições profissionais, 194 00:16:09,860 --> 00:16:14,860 quem vai pagar o salário do design são os burgueses numa sociedade capitalista como a nossa. 195 00:16:14,860 --> 00:16:22,860 Então a tendência é esse profissional se identificar com o seu patrão, a não ser que hajam, claro, 196 00:16:22,860 --> 00:16:31,860 organizações sindicais e outras formas de levantamento dada uma consciência crítica 197 00:16:31,860 --> 00:16:37,860 que permita que aquela pessoa seja contra aquele que paga o seu salário, 198 00:16:37,860 --> 00:16:44,860 que não dá para ser feito individualmente, quer dizer, não tem jeito de você lutar contra a burguesia num battle royale, 199 00:16:44,860 --> 00:16:51,860 você vai sempre perder. Você tem que se unir e essa possibilidade não está evidente no próprio filme, 200 00:16:51,860 --> 00:16:57,860 nem em outros filmes que exploram o mesmo troco cultural que a gente está vivendo, 201 00:16:57,860 --> 00:17:03,860 mas que existe de fato e eu acho que o Vera Pinto está nos dando um pouco de esperança apesar de todas essas críticas, 202 00:17:03,860 --> 00:17:09,860 que a gente precisa se unir e quem vai se unir para fazer a reforma do design vão ser os usuários. 203 00:17:09,860 --> 00:17:15,860 Então nos unamos como usuários do Discord, façamos a revolução aqui dentro, 204 00:17:15,860 --> 00:17:20,860 quem quiser propor inclusive alguma mudança aqui no nosso podcast, no nosso grupo de estudos, 205 00:17:20,860 --> 00:17:28,860 no nosso canal do Discord nós temos o canal Try Meta Design, que é onde você pode propor mudanças, 206 00:17:28,860 --> 00:17:35,860 modificar aqui o nosso espaço, é um pouco do que a gente tem feito para criar essa possibilidade de reforma do design, 207 00:17:35,860 --> 00:17:41,860 mas eu acho que esse texto nos impele a pensar e fazer muito mais do que isso, né gente? 208 00:17:41,860 --> 00:17:51,860 É só fazer uma última consideração aqui Fred, sobre essa ideia da subjetivação neoliberal, 209 00:17:51,860 --> 00:18:01,860 que incorre justamente nesse pensamento individualista mesmo, é a obliteração da ideia de um sujeito coletivo, 210 00:18:01,860 --> 00:18:09,860 de um sujeito formado pela classe. Um autor muito interessante para pensar isso, que coloca um conceito específico disso, 211 00:18:09,860 --> 00:18:18,860 é Mark Fisher, quando ele coloca a ideia do realismo capitalista, e aí ele denuncia, ele propõe esse conceito 212 00:18:18,860 --> 00:18:25,860 para demonstrar como hoje a gente introjetou tanto essa lógica neoliberal, essa lógica individualista do capitalismo tardio, 213 00:18:25,860 --> 00:18:34,860 que hoje ser considerado uma pessoa realista, necessariamente você aderir a esses valores e reproduzir eles. 214 00:18:34,860 --> 00:18:44,860 Qualquer coisa que fuja disso, que saia desse léxico competitivo do battle royale, da sobrevivência e do empreendedorismo e tudo mais, 215 00:18:44,860 --> 00:18:52,860 significa que você não é uma pessoa realista, você é uma pessoa idealista, você é uma pessoa desvinculada com a realidade. 216 00:18:52,860 --> 00:19:04,860 Então, é interessante como esse capitalismo tardio se apodera dessa ideia de adequação, de informação mental e psíquica, 217 00:19:04,860 --> 00:19:10,860 justamente para amarrar a gente cada vez mais nesse sistema para que a gente não possa sair. 218 00:19:10,860 --> 00:19:15,860 E isso está tão atrelado, tão introjetado, que está no nível de subjetivação individual mesmo, 219 00:19:15,860 --> 00:19:25,860 a ponto de a gente não conseguir imaginar mais um mundo diferente do que esse. E isso exerciando cada vez mais essas vivências coletivas que a gente tem, 220 00:19:25,860 --> 00:19:36,860 que a gente tinha no cotidiano e que a alguma medida a gente tem, que vão sendo cada vez mais rarefeitas e cada vez mais difíceis de ocorrer, 221 00:19:36,860 --> 00:19:42,860 porque a gente está sempre operando na lógica da individualidade e da mercadoria em todas as esferas da nossa vida. 222 00:19:42,860 --> 00:19:53,860 Então, essa talvez uma outra diferença fundamental desse contexto, como a gente vem falando, é que havia um processo de individuação, 223 00:19:53,860 --> 00:20:01,860 que é sobretudo nos professores, como o Alvaro Vila Pinto coloca, que de lá para cá se aprofundou e se generalizou completamente. 224 00:20:01,860 --> 00:20:10,860 Então hoje a gente quase não consegue mais conceber uma ideia de um sujeito coletivo de tão imenso que a gente está nesse aquário do neoliberalismo. 225 00:20:10,860 --> 00:20:18,860 Então, para fechar o nosso episódio de hoje, com esperança eu vou puxar aqui a dialética "Faca-Revolver". 226 00:20:18,860 --> 00:20:29,860 Então se a gente escutou sobre a Faca-Molada, Fé Cega-Faca-Molada, para começar, hoje a gente vai terminar com "Revolver" de Flávia Ferro. 227 00:20:29,860 --> 00:20:42,860 E preste atenção aí no papel do frevo como um corpo coletivo e a arte também como uma forma de construir essa resistência. 228 00:20:42,860 --> 00:20:51,860 Claro, porque não pensar o design a partir dessa base popular sendo também uma forma de manifestação de um corpo coletivo 229 00:20:51,860 --> 00:21:02,860 que quer tornar nossa sociedade cada vez mais diferencial, com possibilidade de diferença, sem essa homogeneidade que gera a acomodação das lutas de classes. 230 00:21:02,860 --> 00:21:10,860 Então é isso gente, muito obrigado. Semana que vem, ou melhor, daqui a duas semanas, será o nosso último encontro de discussão desse livro. 231 00:21:10,860 --> 00:21:24,860 Nós vamos então ler a partir da página 77, a essência da reforma da universidade, até a última página do livro que é a 102. 232 00:21:24,860 --> 00:21:28,860 Então estão todos convidados a participar do nosso próximo episódio. 233 00:21:28,860 --> 00:21:36,860 E aproveita aí para colocar um ratings no nosso podcast, se você estiver ouvindo nas plataformas aí, gostou do que você ouviu, 234 00:21:36,860 --> 00:21:47,860 coloca um rating, coloca uma notinha e compartilha com seus colegas porque isso é sempre muito útil para fortalecer a nossa rede e os nossos corpos coletivos. 235 00:21:47,860 --> 00:22:05,860 [Música]