A utopia da universidade popular (S1E5)

Podcast Design & Opressão
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A utopia da universidade popular (S1E5)
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No quinto e último episódio da primeira temporada do podcast do grupo de estudos Design Opressão, intitulado “A Questão da Universidade”, foram discutidos temas centrais sobre a educação superior no Brasil, com foco especial no contexto atual e histórico das universidades e do ensino técnico. O episódio começou com o “Xote Universitário” de Santanna”, refletindo a crítica de Álvaro Vieira Pinto à função cartorial das universidades e à busca pelo título de doutor como mera formalidade.

A gravação ocorreu em meio ao término da greve nas instituições de ensino federais, destacando a importância das greves como momentos de aprendizado, solidariedade e fortalecimento da consciência crítica, mesmo quando não atingem todas as demandas imediatas. A greve, embora não tenha conseguido todas as suas propostas iniciais, foi vista como uma vitória pelo aprendizado proporcionado aos trabalhadores.

A discussão principal girou em torno do livro “A Questão da Universidade” de Álvaro Vieira Pinto, que critica a função atual das universidades, subordinada aos interesses da classe dominante. O livro enfatiza a necessidade de uma educação voltada para o desenvolvimento material e espiritual da sociedade brasileira, em contraste com a educação tecnicista direcionada pelo mercado.

Uma análise histórica do ensino técnico no Brasil mostrou como ele foi moldado pelos interesses da elite econômica desde a década de 1940. Apesar das tentativas de direcionar o ensino técnico para uma formação puramente operativa, as escolas técnicas conseguiram, em muitos casos, oferecer uma formação de qualidade. A transformação das escolas técnicas em CEFETs na década de 1970 e posteriormente em IFs representou uma tentativa de oferecer uma formação mais completa e crítica, mas enfrentou vários desafios ao longo dos anos, especialmente durante o governo FHC e a tentativa de desmantelamento do ensino integrado.

Foram destacadas as principais propostas de Álvaro Vieira Pinto para a reforma universitária:

  1. Co-Governo: Envolver a comunidade acadêmica na gestão da universidade para combater a incapacidade intelectual e a ineficiência docente.
  2. Supressão do Vestibular: Substituir o vestibular por uma verificação de mérito após a admissão dos estudantes, garantindo-lhes as condições materiais para estudar.
  3. Universidade do Povo: Integrar a universidade ao processo de desenvolvimento das massas, eliminando sua função aristocrática.
  4. Combate à Vitaliciedade da Cátedra: Disputar as disciplinas que perpetuam privilégios e impedem transformações.
  5. Entrosamento com Centros de Produção Social: Conectar a universidade com fábricas, fazendas e empresas para uma educação voltada para o trabalho e a realidade social.

O episódio e a temporada foram encerrados com reflexões sobre a importância do podcast durante o período de greve. Foi feito um convite aos ouvintes para continuarem acompanhando o grupo de estudos, que planeja iniciar um novo ciclo de discussões focado na produção e nas relações entre design, opressão e exploração capitalista.

Essa temporada do podcast se encerra junto com a greve docente da universidades federais, simbolizando um período de intensa mobilização e aprendizado coletivo, refletindo o espírito de luta e a busca por uma educação mais justa e emancipadora. A conclusão da greve marca o fim de um ciclo de debates e o início de novas discussões e desafios.

Transcrição gerada por ChatGPT

Eduardo Souza: Bom dia, boa tarde, boa noite pra quem tá escutando o podcast. Eu sou Eduardo Souza, do IFPE, falo aqui de Recife. Você não está ouvindo nosso host habitual, Fred, porque ele tá lá no DRS, né, em Boston, Congresso Chic, lutando contra a opressão em outras frentes, na frente acadêmica, e levando nosso projeto pra outros lugares. Hoje a gente tá na última semana de discussão do livro “A Questão Universitária”, de Álvaro Vieira Pinto, e coincidentemente, tudo indica que vai acontecer ao mesmo tempo, simultaneamente, que o fim da greve, também, nas instituições de ensino federal.

Só dando um breve panorama na conjuntura, né, a gente tá gravando aqui no dia 25 de junho, um dia depois de São João, e aí por isso que a gente começou com esse shot universitário de Santana, que é muito vieiriano, né, a crítica que ele faz à universidade, sua função cartorial, essa função meramente aparente de ter um anel no dedo e ser chamado de doutor. Tudo indica que no último final de semana, as principais organizações sindicais indicaram o fim da greve, que as bases fizessem as assembleias e o fim da greve, aceitando a proposta feita pelo governo dia 14 de junho.

A greve, como eu tinha dito e a gente mencionou, sempre é uma vitória porque sempre é uma oportunidade de que a classe trabalhadora se reconheça, crie laços, crie solidariedade, crie consciência crítica, e afie seus modos de lutar. Ainda assim, ainda que ela não realize suas demandas imediatas, que foi o nosso caso. Então não se trata exatamente de pensar se a greve foi uma vitória ou não, a greve sempre é uma vitória, na medida em que a gente aprende nela. No entanto, a gente não conseguiu arrancar nossas propostas iniciais do governo. A gente arrancou bastante coisa, a gente comentou aqui também os professores dos institutos federais, sobretudo, a gente conseguiu reduzir nosso cargo horário, e alguns outros benefícios para os técnicos, mas o governo ainda estava muito indisposto a negociar conosco.

Pensando nisso, já vindo para o texto de Álvaro Vieira Pinto nesse contexto, uma coisa que me chamou a atenção, e eu apontei no começo da discussão, foi justamente a condição que a universidade dependente, essa universidade que não é uma universidade do povo, como Álvaro Vieira Pinto defende, ela está sempre sendo levada ao sabor dos ventos da classe dominante. Para onde a classe dominante aponta e sopra, a universidade vai. E aí não é diferente, só que é engraçado porque, na conjuntura que Vieira Pinto está apontando aqui nesse texto, nesse ACT II, estava tendo uma inclinação muito grande para a educação técnica, tecnológica.

Rafael Eefren: Oi gente, boa noite, meu nome é Rafael Eefren, eu sou professor do IFPB Campos Cabedelo e atualmente doutorando na FAUSP. Então, o ensino técnico brasileiro, e aí vou tentar focar na escola técnica, a partir da década de 40, se desenvolve, sobretudo, a partir dos interesses da classe dominante. E o formato de ensino vai ser dado a partir dos interesses da classe, como a classe dominante visualizava que deveria ser a formação da classe trabalhadora, que era uma formação meramente operativa, aprender a executar alguns trabalhos, algumas tarefas mais simples, mas sem uma formação geral, humanística, de mais vulto.

Só que as escolas técnicas, de alguma maneira, conseguem resistir um pouco a esse processo e conseguem formar muito bem seus técnicos com uma formação geral, uma formação propedêutica de qualidade, e isso acaba virando um calo no sapato da elite econômica. Esse calo vai se agudizar com o CEFET, porque as escolas técnicas viram CEFET, começam a virar CEFETs a partir da década de 70, que é justamente para ofertar cursos superiores de tecnologia, que eram tidos como técnicos de nível superior, que deveriam ter alguma formação teórica, mas era para, de fato, preparar gente um pouquinho mais qualificada do que o técnico para o mercado de trabalho e para atender os interesses das empresas. A lógica era essa.

No governo da FHC, os CEFETs vão sofrer um ataque a partir da reforma do ensino profissional, que começa em 1995, mas vai se conformar melhor em 1997, com a tentativa de matar o ensino integrado, que na verdade já era uma coisa que eles queriam revogar a todo custo, porque eles não queriam permitir nenhuma possibilidade de politecnia, no sentido de se formar um cidadão, uma cidadã, pensantes e aptos, para um mundo de trabalho com um posicionamento crítico de realidade, mas que também saibam executar e realizar criativamente o seu trabalho. No governo Lula, isso muda um pouco, essa reforma vai ser um tanto quanto revogada, mas não de todo.

Ainda vai haver um processo de continuidade do projeto neoliberal, que isso a gente vê até hoje, e os IFs, os institutos federais, são uma maneira que o governo encontrou de não permitir que se multipliquem universidades tecnológicas, porque é um medo do governo, e na verdade da classe, dos professores, também dos estudantes, de que se matassem essa formação de qualidade, técnica e de qualidade, com relação à propedêutica de qualidade, que isso fosse acabado com as universidades tecnológicas. A gente hoje em dia só tem uma, inclusive uma das críticas a esse modelo de universidade tecnológica é porque as universidades não deveriam ter adjetivos.

Ricardo Artur: Pessoal, bom dia, boa tarde, boa noite. Estou aqui falando do Rio de Janeiro, aqui é Ricardo Artur, falando direto da Enzo e, assim, só para lembrar também que durante a discussão, um dos pontos que foi discutido e levantado pelo Edu, foi também a nossa posição contra, e pedindo, na verdade, a revogação do novo ensino médio, que foi bastante debatido aqui, que a gente está falando muito sobre universidade, a gente falou sobre ensino técnico, mas também entrou em pauta a discussão sobre o ensino médio. Então, só para resumo de conversa, é que o projeto de ensino médio que a gente tem aí herdado do golpista Michel Temer, é uma proposta que, na verdade, precariza ainda mais quem já tem ensino precarizado. Botando uma situação de quadros formativos, percursos formativos dentro desse ensino médio, que, na verdade, prejudicam quem já está numa situação precária, porque não vai ter possibilidade de outros percursos formativos de fazer uma formação adequada, e ainda com a suplementação dos canais.

Ou seja, que o debate sobre essas reformas, tanto do ensino médio, do ensino técnico, da universidade, ele é, como já falou o Álvaro Vieira Pinto, um debate que tem que ser tomado do ponto de vista político, e não apenas exclusivamente pedagógico. E aí, voltando ao ponto político, é muito interessante no fechamento do livro, no capítulo de medidas práticas para reforma, como é que o Vieira Pinto está propondo, por onde deve passar essa revolta política da universidade. A primeira proposta que ele traz é o co-governo, e ele começa falando assim, essa talvez seja a mais escandalosa das medidas propostas, seguramente a que mais resistência despertará. Ele vai falar que o co-governo só poderá derrotar aqueles elementos da classe professora que receiam ver denunciado a sua incapacidade intelectual, ineficiência docente, desqualificações morais, ou levados ao conhecimento público e seus compromissos com grupos econômicos e financeiros dominantes.

E aí ele vai destrinchando e reforçando essa ideia de que o papel da universidade tem sido sistematicamente reforçado do ponto de vista da classe dominante, e que, portanto, essa disputa política passaria, no primeiro ponto, por mudar como a gestão da própria universidade é realizada. A segunda proposta dele é a supressão da trincheira do vestibular, substituída pela verificação do mérito do estudante depois de lhe haver sido dada a qualidade do estudante e as condições materiais para estudar, admitindo-o numa universidade. Ou seja, entra primeiro, tem a condição de estudar, e aí é assim que se avalia a permanência. Muito diferente de falar que tem uma barreira que só alguns alunos vão passar.

A terceira proposta é a universidade do povo, ou seja, que ao eliminar o vestibular terá sido dado o passo principal para destituir a universidade da função aristocrática de guardiã do saber, integrando-a no processo total de ascensão das massas enquanto procedimento para aquisição da cultura do país. E aí ele volta nessa ideia de que a universidade é um passo formativo e que deve estar no direito de todos os cidadãos e não de apenas alguns. O quarto passo é a luta contra a vitaliciedade da cátedra enquanto instrumento retardador de processo transformador da universidade, ou seja, aquelas disciplinas que são sempre mantidas e nunca são alteradas, que precisam ser disputadas, e disputadas também nesses termos que o Edu apresentou antes, porque ela também manifesta qual a vocação da universidade e manifesta na luta de classes.

E, por fim, a quinta proposta é o entrosamento das instituições dentro do interior com centros sociais de produção, fábricas, fazendas e empresas. E aí a gente volta para o ponto que o Efren trouxe aqui para a gente, de pensar essa relação entre educação superior tecnológica, educação superior para o trabalho, e foi até o ponto de discussão que a gente teve nos outros encontros. Qual é a vocação da universidade? É apenas uma cultura humanista, conservadora e voltada para os privilégios de classe, ou ela deve ser voltada para o trabalho e atender as questões materiais? Quer dizer, não é só um, não é só outro.

A gente começa a entender que, por exemplo, essa ideia de formação para o trabalho, ela não deve ser pautada pelas classes dominantes, ela não deve ser pautada pelos ditames do mercado. Porque justamente a partir de uma perspectiva política, essa formação para o mercado também é uma formação humanística, também é uma formação política, também é uma formação que, nos termos freirianos, seria uma formação crítica de conscientização, de se entender no seu lugar. E o próprio Álvaro Vieira Pinto, ao longo do livro, também vai relatar essa ideia desse papel de formação para a vida. Ele passa por uma visão política, exatamente o papel que a UNE cumpre naquele momento, de estar disputando essas questões, de estar disputando politicamente o lugar da universidade e sua reforma. Ele também faz parte do processo formador de disputa, aquela máxima de que o estudante deve apenas estudar. Ele vai dizer que não, que só em lugares muito privilegiados se pode apenas estudar. O estudante deve se engajar nessas lutas que também são formativas.

E voltando ao ponto que o Edu estava falando logo no começo, de para que servem as greves. A greve também cumpre um desses papéis formativos aqui, de disputar e pensar essa universidade e que, pelo que tudo indica e pelos caminhos que seguimos aqui, observando os dados em relação ao novo ensino médio, ao ensino técnico no país e nas universidades, ainda tem muito que se lutar, ainda tem muito que se disputar para que esse projeto de universidade, que inclusive está sendo apontado aqui pelo Vieira Pinto, possa realmente, quem sabe um dia, chegar mais próximo de acontecer, porque ainda está muito longe esse projeto que está apontado.

Eduardo Souza: Obrigado, Ricardo. Obrigado, Efren. Excelentes contribuições. Eu queria só ler o último parágrafo mesmo que Álvaro Vieira Pinto escreve nesse livro, que de fato é a síntese muito bem cristalizada do que a gente vem discutindo nas últimas semanas, nos últimos meses na verdade. Ele diz o seguinte: “O objetivo da reforma universitária é identificar a universidade com a sociedade brasileira, no seu esforço de desenvolvimento material e espiritual, criando e semeando a cultura, a fim de que esta, juntamente com a liberdade, venham se tornar os bens mais preciosos possuídos por todo o homem do povo”.

E é exatamente isso que a gente tem tentado delinear aqui nesses encontros, pelo que a gente tem notado dentro das salas de aula, dentro das universidades e também fora, na rua, na nossa movimentação política, no nosso modo de engajamento ativo com a realidade, não só na nossa prática profissional, docente e de pesquisa, mas também na nossa realidade imediata. Eu queria muito agradecer essa jornada, esse primeiro ciclo de podcast. Para mim foi muito importante, durante a greve, estar aqui com vocês, lendo e discutindo esses pontos, para conseguir me orientar nesse caos que foi esse processo, nesse caos de muito aprendizado, inclusive.

Espero as próximas, espero mais aprendizado e mais engajamento. Continuaremos, vamos tentar, dentro da medida do nosso cargo horário, continuar mobilizados e discutindo todos esses pontos. Convido todo mundo a se integrar, ficar ligado aqui no canal, sobretudo, mas também se inscrever na nossa newsletter, entrar no site Design e Opressão, porque em breve vamos começar um novo ciclo de discussão. Estamos já debatendo, já fermentando algumas ideias. Ao que tudo indica, a gente vai discutir nossa própria produção da rede e começar a cristalizar um pouco do nosso entendimento do que é design, da relação do design com a opressão e todo esse sistema de exploração capitalista. Finalizamos aqui o nosso ciclo de greve. Espero que vocês tenham curtido, minha gente, e acompanhem para as próximas aventuras que a gente vai ter. Obrigado e adeus!